Ninguém pode dizer que não tentei parar de ser gay.

O fim da infância e o início da juventude vieram através de uma locomotiva numa velocidade de 200 km. por hora e com 45 vagões cheios de hormônios, tanto testosterona quanto progesterona, pra mim era mais comum a testosterona, afinal vivia com os meninos. Os jogos de bets na rua tinham um propósito além da simples brincadeira, o pega-pega também tinha um propósito, nas festas esse propósito ficava mais evidente, porém nos jogos de verdade ou conseqüência, àquele que você gira a garrafa e pede se a pessoa quer responder uma pergunta ou enfrentar uma conseqüência. A conseqüência era o propósito maior. Ninguém estava afim de responder perguntinhas como qual sua cor preferida, ou qual seu cantor favorito, ou será que o Pikachu do Ash vai evoluir, ou quando irá acabar Chiquititas. A conseqüência era o Leonardo beijar a Nadia. Todos queriam isso, todos, absolutamente todos da minha idade queriam isso. Beijar uns aos outros, mas os uns tinham que ser os meninos e outros tinham que ser as meninas. Menino com menino era feio, nojento, asqueroso, tinha que ser cassoado. Que alternativa possuía? Ser igual. Esconder minha peculiaridade. Dizer palavras heterossexuais (aprendi essa palavra peculiar lendo, por que no dia-a-dia a palavra usada era “macho”) gata, linda, gostosa, peituda e rabuda viraram palavras coloquiais entre os meninos, afinal só falavam disso, era um papo de macho. Comecei a ficar com meninas também, dar beijinho nelas, abraçar elas. Ah como eu tinha que fingir que gostava daquilo. Lembro quando perdi o “BV” (boca virgem na nossa linguagem), tive que perder, porque ser BV naquela idade também era feio, coisa de perdedor. Perdi o BV com uma menina, que na minha mente era ajeitada, mas na minha fala era gostosa. Tinha 2 anos menos que eu, olhos azuis, magrinha, quadril fininho, bunda empinada e duas coisinhas que apontavam como faróis na blusinha branca que ela jogava handebol, para qualquer menino seria um sonho ficar com ela, ela era bonita. Não pra mim. Pra mim ela era só ajeitada, mas tinha que ficar com ela, fingir que estava gostando daquilo. “Ficamos” na garagem do prédio dela, ficar era e é uma gíria muito simples de entender, significa que os dois amantes vão pra um lugar reservado e se beijam. Meu amigo quem “arrumou” ela pra mim, arrumar era outra gíria simples que significava unir os dois. - Pedro me arruma a Julinha? - Tá bom, espera aí! Ele corria e falava com a tal da Julinha: - Julinha, meu amigo que ficar com você! – assim mesmo, cheio das gírias. - Sério! Ahh sei lá, será? – de um jeito tímida. - Ah que isso! Fica, ele ta afim de você! - Ai, esta bem, diz que eu espero ali na garagem! E feito, depois de alguns minutos estávamos os dois na garagem, quase escura, apenas um pouco clara devido aos poucos feixes de luz que entravam através das finas janelas altas, saiu apenas um “oi” imensuradamente tímido e se aproximamos aos poucos. Primeiro batemos os dentes uns nos outros, depois nos beijamos, beijo simples, sem nada demais. Um braço meu correu por trás das costas dela, e pronto. Não sei se ficamos durante 2 minutos ou 24 horas. Depois do acontecimento histórico, afastamos nossas faces uma das outras e demos um tchau, ela então correu pras outras meninas que estavam espiando, e eu corri pros meus amigos meninos, que como a curiosidade é universal, também estavam espiando. Lá no fundo ouvia os gritinhos, gemidinhos e risadinhas das menininhas. Estavam felizes e cantarolantes. Já eu quando voltei pra minha torcida organizada de meninos só saíram uns berros: - Isso aí cara! – exaltava um. - Maizá piazão!! – comemorava outro. - Agora é um homem! – dizia outro esfregando minha cabeça. Agora sou um homem! Estava feliz. Sou igual ao resto dos meus amigos. Fui aceito como igual.

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