Na encruzilhada: A incansável jornada de Bolsonaro para cooptar as Forças Armadas e o que esperar disso

Em conversa por telefone, em agosto, o general
Paulo Chagas, que concorreu ao governo do Distrito Federal pelo prp em 2018,
interpretou a crise como uma tentativa de golpe do presidente, desmontada pelo
Alto Comando do Exército. “No momento em que Bolsonaro concluiu que com aquele
quarteto ele não conseguiria uma demonstração de apoio das Forças Armadas, o
que ele fez? Demitiu os quatro. Qual a impressão que dá? ‘Olha, se não me
apoiar, eu derrubo’”, diz Chagas. Bolsonaro teve de engolir a decisão, mas não
deixaria de fustigar as Forças Armadas, sobretudo o Exército. “O comportamento
de Bolsonaro tem sido um desgaste para as Forças Armadas”, avalia Chagas. “Ele
é uma fonte permanente de tumulto.”
Antes de completar dois meses da crise militar, o
presidente arrastou o Exército para uma situação-limite, cujos efeitos ainda
reverberam nos quartéis. Mesmo sabendo que militares da ativa são proibidos de
participar de qualquer ato de natureza política, Bolsonaro convidou o general
da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, para subir no seu palanque
numa manifestação de apoio ao seu governo, no Rio de Janeiro. Pazuello topou,
fez um breve discurso – e quebrou uma regra pétrea da disciplina da caserna. O
general Paulo Sérgio de Oliveira, recém-empossado no comando do Exército, tinha
poderes para decidir sozinho pela punição ao insubordinado, mas preferiu
consultar o Alto Comando do Exército, em uma reunião por videoconferência.
Queria ouvir seus pares que, por unanimidade, concluíram que a punição era
inevitável. O primeiro passo era pedir a Pazuello uma carta de justificação e,
então, abrir um processo disciplinar.
Bolsonaro reagiu com irritação e voltou a
confrontar os generais. Informado sobre a decisão do Alto Comando pelo general
Braga Netto, disse que não aceitaria que seu ex-ministro fosse punido. Entre os
generais, como um deles confidenciou à piauí, circulavam
comentários de que Bolsonaro estava inclinado a demitir o comandante do
Exército caso insistisse no processo contra Pazuello. Entre os oficiais da
reserva, disseminou-se a informação segundo a qual os generais do Alto Comando
decidiram que, se o comandante fosse demitido, nenhum outro aceitaria o cargo.
A adoção dessa postura nunca foi desmentida nem confirmada. Levada à prática,
criaria um impasse com consequências imprevisíveis.
O comandante Paulo Sérgio de Oliveira julgou que,
ao abrir um inquérito contra Pazuello, não teria como evitar que o próprio
Bolsonaro fosse envolvido, já que veio dele, o comandante em chefe das Forças
Armadas, “a ordem” para que o ex-ministro subisse num palanque político. Então,
cedeu por inteiro à pressão de Bolsonaro: não puniu Pazuello, chancelou a mais
evidente quebra de disciplina de um general da ativa e ainda decretou sigilo de
cem anos sobre o caso. Na conversa com o Alto Comando, de acordo com o relato
de um oficial, Oliveira pediu que o generalato “permanecesse calmo”. Bolsonaro
saiu do episódio com uma vitória retumbante: humilhou a cúpula do Exército e,
dias antes, ainda decidira proteger Pazuello ao indicá-lo para um cargo no
Palácio do Planalto.
No dia seguinte à sua absolvição pública,
Pazuello esteve no Clube do Exército, no Lago Sul, em Brasília. Ali,
encontrou-se casualmente com o general Paulo Chagas, o ex-bolsonarista. Tiveram
uma rápida conversa sobre o assunto. “O próprio Pazuello me disse que achava
que deveria ter sido punido”, rememora Chagas, para quem o comandante do
Exército, ao isentar o ex-ministro da Saúde, cometeu um erro brutal pelo qual o
Exército ainda poderá pagar muito caro. “Isso não pode ser assim. O Paulo
Sérgio, ao querer evitar uma crise com o presidente, acabou provocando um mal
maior, que foi a abertura de um precedente dentro das Forças Armadas. É claro
que isso vai dar problema. Ainda não aconteceu. Mas, se um sargento resolver
subir em um palanque e se manifestar, como ele poderá ser punido, se o Pazuello
não foi?” E completou: “É claro que o Pazuello sabe o problema que ele criou
para a Força.”

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